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Relato de Parto


Para você, meu filho, se lembrar sempre da forma especial com que chegou ao mundo.


Um mês se passou, Caetano. O tempo agora corre diferente. A ansiedade deu lugar a um turbilhão de emoções. Os dias são curtos, as noites, longas. O aprendizado é constante. Aprendemos juntos. A respirar (oxigênio e paciência). A nutrir (corpo e alma). A amar (incondicionalmente). A chorar e a sorrir (ou ambos ao mesmo tempo).


Há um mês nossos mundos mudaram drasticamente. O seu se tornou mais amplo. O meu, mais completo. Eu que achava que conhecia tão bem esse mundo… E, de repente, tudo é tão novo de novo. Para mim e para você. Você (bem) nascido. Eu renascida diante do novo.


Mas dessa vez a novidade não está mais lá fora, a 24 horas de voo de uma cultura distante. A novidade está em mim. Em nós. Não preciso mais ir ao Laos ou à Lituânia para tentar encontrar o sentido. Tudo está completo aqui, embora eu continue sonhando em conhecer a Antártica, o Irã e o Azerbaijão, agora em sua companhia. Quero te mostrar esse mundo que tanto amo. Desbravá-lo ao seu lado. Porque, após 41 semanas de espera, nunca esse mundo foi tão novo e tão bonito.


41 longas semanas.


E finalmente você chegou.


Me preparei muito para te receber. Busquei os melhores profissionais. Me informei. Fiz fisioterapia e acompanhamento nutricional. Participei de cursos teóricos e práticos. Ouvi relatos de outras mães. Estava preparada para o parto, para a dor, para lutar pelo meu sonho de dar à luz de forma natural e humanizada. Mas não estava preparada para a espera.


E, após 40 semanas completas, esperar se transformou em sofrimento, insegurança e medo. Havia me preparado tanto, me informado tanto, mas estava sucumbindo à ansiedade de uma sociedade que não costuma aceitar o tempo certo do nascimento. Me senti pressionada e frustrada, embora racionalmente soubesse que não havia motivos para isso. Mas nada é mais humano que a emoção. E, apesar de toda a informação e conhecimento adquiridos, permiti que ela tomasse conta de mim.


E por 5 dias (5 em 287 dias!) eu fraquejei. Chorei. Me desesperei. Me julguei. Lutei contra mim mesma até aceitar que meu sonho de um parto sem intervenções havia se transformado em dor, até aceitar que havia chegado ao meu limite e que precisava respeitar também o meu tempo. Afinal, Caetano, este não seria apenas o seu momento. Seria o NOSSO grande momento. Um trabalho a dois. Mais precisamente, a cinco. Um trabalho em equipe.


Por isso, com 40 semanas e 5 dias de gestação, optei pelo descolamento de membranas. Agendamos também a indução do parto para o sábado seguinte, quando completaríamos 41 semanas e 1 dia de gravidez. Eu sabia que você compreenderia, meu filho. A espera já não era saudável para mim.


E para tentar suportá-la por mais alguns dias, fui ao spa. Fiz massagem e escalda pés. Comi pão de queijo com doce de leite, cheesecake com goiabada e pastel de Santa Clara. Agendei uma consulta com a anestesista, que por uma emergência dela acabou não acontecendo. Caminhei na Bandeirantes, passeei na Praça da Liberdade e na Savassi. Ouvi incansavelmente a playlist que havia preparado com tanto carinho para o seu nascimento. Fui ao cinema. Reservei um jantar no Taste Vin para a sexta à noite (orientações médicas), suposta véspera do parto. Me perdoei por ter desistido.


Relaxei.


...


O jantar nunca aconteceu.


Não sei se foram os ipês que coloriam a cidade com aquele lindo contraste entre o rosa e o azul do céu de inverno. Não sei se foi o belo romance de Almodóvar sobre os dramas da maternidade. Se foi simplesmente a força da natureza ou o descolamento da bolsa, aquela mínima intervenção feita dois dias antes.


Só sei que na quinta à noite você sinalizou que queria chegar. E entre a primeira contração, às 22:30, e ter você nos meus braços, passaram-se apenas seis horas. Apenas uma hora e meia no hospital. O mesmo hospital onde me internaria no sábado para a indução do parto. O mesmo sábado em que tivemos alta, um dia depois do seu nascimento.


Após exatas 41 semanas, uma madrugada tão intensa a ponto de modificar o tempo.


6 horas apenas. Tempo suficiente para me transportar para o lugar mais distante e mais incrível que já conheci. Tempo suficiente para viver a dor mais intensa que já senti, mas que já não sou capaz sequer de descrever. Tempo de sobra para implorar por uma anestesia.


Mas não houve tempo para isso.


Também não houve tempo para o plano de parto. Nem para a banheira que eu tanto desejei. Não houve tempo para sentir medo, nem para sofrimento. Não houve tempo para a trilha sonora. A seleção musical que preparei por nove meses deu lugar a gritos, seguidos de silêncio e palavras de carinho do seu pai, do Dr. Hemmerson e da doce doula Isabel. A música só foi ligada nos últimos minutos. Era para você nascer ao som de “boas-vindas”, do seu xará famoso. Mas não houve tempo. Justo comigo, que gosto tanto de música. Também não houve tempo para os registros que eu tanto queria. Quando a fotógrafa chegou, você já havia nascido. Justo comigo, que gosto tanto de fotografia.


Mas houve tempo para que você chegasse naturalmente, como tanto desejei. Tempo para a realização de um sonho que eu já julgava impossível. Houve tempo para que eu sentisse todas as sensações. Tempo para que a bolsa estourasse espontaneamente poucos minutos antes de você nascer. Tempo para que eu tocasse a sua cabecinha assim que ela coroou e para que eu guardasse para sempre em minha memória a sensação do primeiro toque. Ainda hoje, quando fecho os olhos, sou capaz de sentir em meus dedos o calor e a textura da sua pele naquele momento, ainda dentro de mim.


Houve tempo também para sentir cada parte do seu corpinho atravessando o meu. Para me sentir forte, confiante e realizada. Tempo para que eu te pegasse no colo imediatamente após o seu nascimento e te amamentasse por 3 horas seguidas. Houve tempo para o amor à primeira vista. Para o encantamento indescritível. Tempo para o apoio constante do seu pai e para que ele mesmo cortasse o cordão. Tivemos tempo suficiente para renascermos como família. Para deixar transbordar as emoções. Para vivermos de forma plena a experiência mais marcante de nossas vidas.


Foram cerca de sessenta minutos entre a chegada do Dr. Hemmersom e a sua. Cerca de quinze entre os sete centímetros e o primeiro puxo, seguido da notícia da dilatação total. Neste momento, já no pré-parto, à espera do anestesista, todo o conhecimento que havia adquirido veio à tona e, por alguns segundos, a razão voltou a dominar.


Não havia mais tempo para a analgesia.


Mas houve tempo para voltar para a suíte de parto e esperar por você da maneira como desejamos. Com privacidade e acolhimento. Em um quarto escuro, cercados apenas das pessoas à quem confiamos aquele momento tão especial. No banquinho de parto, a posição que instintivamente me acolheu, abraçada durante todo o tempo pelo seu pai. Tudo muito rápido e intenso.


Tudo no seu tempo. Diferente de todos os meus planos. Melhor que em todos os meus sonhos.


E ainda há tempo para as boas-vindas, meu filho. Nossa jornada nesse mundo novo está apenas começando.


“Lhe damos as boas-vindas Boas-vindas, boas-vindas Venha conhecer a vida Eu digo que ela é gostosa Tem o sol e tem a lua Tem o medo e tem a rosa Eu digo que ela é gostosa Tem a noite e tem o dia A poesia e tem a prosa Eu digo que ela é gostosa Tem a morte e tem o amor E tem o mote e tem a glosa Eu digo que ela é gostosa Eu digo que ela é gostosa”


Obrigada, Caetano, pela madrugada do dia 08/07/2016, “a noite mais linda do mundo”.


Da sua mãe.



      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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