Empatia, por favor
Empatia, Caetano.
Essa é a palavra da moda aqui em 2016. Muita gente usa. Muitas vezes com o significado errado. Eu mesma só aprendi ano passado. Da crônica sobre o cotidiano aos livros de gestão, todo mundo está falando sobre isso. Só falta mesmo praticar.
Mamãe tem passado boa parte do dia sozinha com você em casa, sempre no colo, mamando sem parar.
Nesse momento, as redes sociais acabam se tornando uma ótima companhia. É que, entre "agus" e sorrisos deliciosos, de vez em quando mamãe precisa interagir um pouco com o mundo lá fora. Mas vou te contar. Muitas vezes a vontade que dá é de voltar correndo para o seu universo infantil, puro e inocente, onde a empatia não precisa sequer ser lembrada.
Sou uma entusiasta das redes sociais e do mundo digital. Quanta coisa boa eles propiciam. Acho o máximo que pessoas comum ganhem voz e que um vídeo qualquer feito no interior do Kiribati (conheci nas olimpíadas), possa ter o mesmo alcance que uma transmissão da CNN. Mas tudo que é bom tem seu lado negativo, porque nós, humanos, temos a mania de estragar as coisas quando queremos. E aí as pessoas comuns, que finalmente ganharam voz, começam a mostrar as garrinhas.
É como se o anonimato e a proteção de uma tela permitissem a todos dizer o que querem, sem se preocupar com as consequências. E isso inclui, além de muita asneira, comentários feitos apenas para atingir gratuitamente outras pessoas. Sem dó nem piedade. E a empatia, que é linda nos livros de RH, parece, na verdade, coisa de conto de fadas, de ficção, coisa de novela das nove.
E falo sobre isso agora justamente por causa da novela. Hoje o ator principal do folhetim global do momento desapareceu no Rio São Francisco, o velho e maltratado Chico. Ele é jovem, bonito, talentoso e famoso. Mas antes de tudo isso, ele é: gente! Tem família. Gente que ele ama e gente que o ama. Tem vontade de viver.
A notícia me deixou chateada. Não gosto de ver gente nenhuma morrer antes da hora ou sofrer porque perdeu alguém de forma não natural. Ninguém deveria gostar.
E aí, num desses momentos de desejo de contato com o mundo lá fora, caí na besteira de ler os comentários (escritos por pessoas comuns que ganharam voz) nos posts que noticiaram o trágico desaparecimento. E que tristeza, Caetano, tudo o que encontrei. Piadinhas, críticas à eficiência do corpo de bombeiros, que promoveu buscas imediatas, críticas por noticiarem esse desparecimento que seria apenas mais um.
O argumento principal é o de que a imprensa, os bombeiros e a audiência só se importam porque ele é famoso, como se o fato de ser famoso afastasse dele a condição de ser: gente! (prefiro não discorrer sobre a suposta estratégia da Globo de desviar a atenção da entrevista coletiva do Lula. É demais para essa reflexão.)
Aí fui longe. Me peguei em uma aula de direito penal, assistida há mais de dez anos, quando um professor questionou para a turma: "Seu cachorro morreu. No mesmo dia você lê no jornal que uma criança foi assassinada em uma favela da cidade. Por quem você sofre mais?"
Todo mundo que já teve um cachorro tem a resposta na ponta da língua, embora muitos tenham medo de admitir. Eu digo então: é claro que sofreria mais pelo meu cachorro (certeza que chorarei rios quando o Ulisses morrer). Mas isso definitivamente não quer dizer que eu não saiba que o valor da vida da criança, ainda que eu não a conheça, é muito maior.
No caso do ator global, é ainda mais fácil de entender, afinal, ele também é: gente! Cuja vida está sendo comparada à de outras pessoas, não menos: gente! E nada mais natural que as pessoas sofram mais por tragédias que envolvam alguém que se conhece, ainda que pela tela da TV. Não quer dizer que elas não se importam com a vida dos não famosos. Quer dizer apenas que se importam com a vida, seja ela de quem for.
Não se chocar com uma notícia assim é que me parece estranho. Fazer piada então... Assustador.
Porque deixar o global morrer ou tocar o foda-se para o sofrimento da família dele não salva a vida do cidadão comum, como aquele que enche as redes sociais de comentários nada empáticos.
Sim, precisamos muito dessa moda. Menos nos livros. Mais na vida real.
Mais empatia, por favor.