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A vida que vem das telas



“E a própria vida

Ainda vai sentar sentida

Vendo a vida mais vivida

Que vem lá da televisão”

(Chico Buarque)


Quando Chico escreveu essa música, lá em 1967, ele criticava a popularização da televisão. O objeto recém-chegado ocupava, em velocidade estratosférica, um espaço cada vez maior na vida das pessoas, implicando, obviamente, em uma diminuição também acelerada das interações sociais reais. Mas nem Chico poderia imaginar a revolução que estava por vir.


Se a televisão escancarou para as pessoas o tamanho da simplicidade de suas vidas comuns, a Internet e as redes sociais nocautearam sem piedade qualquer esperança que um cidadão ordinário tivesse de levar uma vida livre de comparações. E isso ataca diretamente a nossa felicidade, uma vez que a percepção desse estado por todos tão almejado passa necessariamente pela comparação, como filosofou Sêneca, ainda no século I: “Jamais serás feliz enquanto fores torturado por um mais feliz”.


Assisti recentemente a um reforço dessa constatação de 20 séculos atrás. Em uma aula sobre a inveja, o neurologista André Palmini, estudioso do processamento das emoções no cérebro, declarou: “julgamos muito mais as coisas pela comparação do que pelo seu valor intrínseco. ” Sendo esse um fato, só nos resta lidar com ele.


A comparação anda de mãos dadas, dessa forma, com a tão temida inveja, esse sentimento para lá de incômodo que, por mais que tentemos nos convencer do contrário, todos sentimos.


A inveja acontece sempre que nos compararmos com outra pessoa do mesmo grupo social e nos percebemos inferiores em termos de qualidades, conquistas ou posses. Isso quer dizer que nos sentimos mal quando julgamos que alguém que teve as mesmas oportunidades se saiu melhor na vida. Mas essa não é a pior parte. Também nos sentimos bem quando essa mesma pessoa perde suas conquistas e se iguala novamente ao nosso patamar. E por mais difícil que seja falar disso, é preciso, pois é um fato incontestável da nossa natureza: é mamífero, é humano. Todos nós invejamos.


E essa emoção é mesmo difícil de lidar. A inveja atua no cérebro da mesma forma que a rejeição e a dor física! É uma dor psíquica: a dor da inveja. Ao contrário, quando presenciamos alguém perdendo alguma coisa, isso ativa em nosso cérebro a área de recompensa, a mesma ativada quando sentimos prazer e alegria através da liberação de dopamina. O objetivo de ser semelhante ao outro é tão grande que nos igualarmos a ele nos traz imensa satisfação, mesmo que a gente não ganhe nada com isso. Esse é um mecanismo biológico evolutivo e, portanto, natural. Então não precisamos nos martirizar sempre que coisas assim passarem pela nossa cabeça.


Mas calma! Não é porque esse é um fenômeno comum a todos os mamíferos que não podemos atuar sobre ele, afinal, é essa a vantagem de ter um cérebro mais evoluído que o de todos os outros animais: somos capazes de modular nossas emoções. Para alguns isso é mais fácil, para outros nem tanto, e seremos tanto mais satisfeitos com nossas próprias vidas quanto maior sucesso tivermos nessa modulação.


E como será que anda o êxito desse exercício de racionalidade frente à essa dolorosa emoção?


Lendo o maravilhoso “Sobre a Felicidade: Uma viagem filosófica”, do Francês Frédéric Lenoir, (filosofia de fácil digestão, recomendo fortemente), me assustei ao descobrir que 62% dos jovens americanos entrevistados em uma pesquisa afirmaram preferir um salário de 33 mil dólares ao ano, sabendo que seus colegas próximos ganhariam 30 mil, do que um salário de 35 mil, sabendo que os mesmos colegas ganhariam 38 mil.


Isso não é novidade. A ciência já identificou o mesmo comportamento em nossos parentes mais próximos: os macacos. Um experimento com esses animais demonstrou que um macaco que ganhava uma porção de água com açúcar se sentia mais feliz quando só ele ganhava a bebida do que quando ele e um outro animal do grupo eram agraciados com a mesma porção. O macaco não perdia nada quando o colega também era presenteado, mas o fato de não ser o único a ganhar levava boa parte da sua felicidade para as cucuias. Pelo visto os estudantes americanos se comportam exatamente da mesma forma.


No fim das contas, o que a comparação social faz é provar a nós mesmos que não somos assim tão bons quanto pensávamos e, bem... isso dói! Dói e entristece.


Tenho me debruçado e me interessado cada vez mais pelo tema da Felicidade, o que pode ser bastante indigesto, já que implica em altas doses de auto responsabilização e de uma consciência exacerbada sobre a nossa própria existência, sobre o nosso próprio bem-estar e sobre nossa própria felicidade. Ser feliz tem um que de escolha. Mas isso não quer dizer que seja fácil. Escolher é, aliás, a grande fonte de insatisfação da vida moderna. Há um excesso de opções e nos corrói pensar em cada oportunidade que deixamos de lado, ou seja, escolhendo acabamos ainda mais atraídos pelo que nos falta, enquanto a felicidade vem justamente do contentamento em relação àquilo que temos.


Fato é que não dá para ser feliz sem colocar a felicidade diariamente em pauta. É preciso agir o tempo todo com a clara consciência do que se almeja para acessá-la. É preciso também conhecer-se plenamente, pois não há felicidade sem uma vida alinhada aos próprios valores. E pode ser bem difícil descobrir os reais valores quando se é bombardeado a cada segundo por fórmulas prontas de sucesso e felicidade vindas do Instagram, do Facebook, do Twitter, da Tia do WhatsApp e, ainda hoje, 70 anos depois, da novela das oito.


Falando em sucesso, outro dado interessante trazido por Lenoir em sua viagem filosófica pela felicidade está relacionado àquela pergunta para lá de batida: Dinheiro traz felicidade? Ao perguntar para pessoas de todo o mundo quais as coisas mais importantes para serem felizes, o autor constatou que as respostas mais comuns são: família, saúde, trabalho, amizade e espiritualidade. No entanto, quando as mesmas pessoas são perguntadas sobre o que gostariam de ter para serem mais felizes do que são hoje, a maioria responde simplesmente: dinheiro!


Pois bem, a ciência comprova: dinheiro traz felicidade sim, até um patamar mínimo de condições dignas de sobrevivência. Ultrapassado esse patamar, ter mais ou menos dinheiro não impacta na felicidade.


Dito isso, te convido para algumas reflexões.


O que te faz feliz?


E depois:


Como você prioriza o seu tempo?


Por fim:


Aquilo para o que você despende maior energia é aquilo que te faz feliz?


Pelo menos para mim, essas perguntas soam bastante incômodas. E é bom que seja assim. Porque é somente tomando consciência disso que poderei deliberadamente assumir o controle da minha vida, ao invés de seguir vivendo no piloto automático de quem se guia por valores externos, impostos por um mundo cada vez mais conectado, em que há cada vez menos conexão: com o planeta, com o outro e consigo mesmo.


Depois de algum estudo posso afirmar com convicção o que Chico reconheceu por simples intuição e sensibilidade aflorada: as redes sociais, assim como a televisão, são ladrões de felicidade, e tem muita gente que lucra com a angústia que isso causa em cada um de nós. Vende-se a busca por algo que não pode ser consumido, como se fosse possível ser. O resultado? Uma angústia cada vez maior.


Ser feliz em tempos de redes sociais exige, portanto, esforço e concentração.


Esse texto é um convite para parar e olhar para dentro. Para entender o que realmente te move. E deixar um pouco de lado essa vida recortada de rede social, que não existe no mundo real.


Dá trabalho ser feliz. Mas está nas nossas mãos tornar essa tarefa um pouco menos difícil.

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      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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