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Diário de uma vida comum



As redes sociais são lindas, mas passam a errada impressão de que nossa vida se resume ao que está postado. Precisamos lembrar disso diariamente. O que está nas redes é apenas uma fração de um todo muito maior. E muitas vezes muito mais normal do que a gente imagina.


Me lembro de quando eu tinha o blog de viagens. Um monte de gente pensava que eu vivia daquilo. Que eu vivia de viagem. Mas esse era só o fragmento, a pontinha do iceberg. Era só o sonho. Então, para quem não me conhece realmente, deixa eu me apresentar.


Sou a Flávia de carne e osso, que leva uma vida bem comum. Não sou nômade digital, nem blogueira, embora me sinta um pouco escritora. Tenho uma profissão bem normal, daquelas antigas mesmo. Trabalho de segunda a sexta batendo ponto e só viajo nas férias, apesar de ser ótima em multiplicar meus dias off através de uma habilidade inata: gestão estratégica de férias e feriados. Eu amo viajar! Mas na minha vida de verdade, meu despertador toca todo dia as 6. Sinto sono. Mas quem bate ponto sabe: o relógio da catraca não espera. Então tomo café preto. Dá-lhe café. E como pão 100% integral com queijo frescal, tentando manter o corpo padrão que passa todos os dias pela manhã no meu Instagram. Como rolando o feed e descubro que pão é over. Que para manter o novo padrão preciso comer ovos com abacate. Tenho o primeiro choque de realidade do dia: de padrão por aqui, só essa vida normal de quem acorda cedo, sai pra trabalhar e volta tarde para cuidar da casa e dos filhos. Parece chato. Mas chato mesmo é o trânsito de dezembro, porque se não bastasse o natal e as filas para entrar no shopping que param a cidade inteira, tem a chuva. Porque aonde eu moro chove dezembro inteiro. E às vezes janeiro também. E a gente é obrigado a ir trabalhar mesmo assim, enquanto na Internet as pessoas estão curtindo uma praia paradisíaca sob aquele sol escaldante de verão. Ou, com mais sorte, aquela paisagem branquinha que domina o Hemisfério Norte nesses tempos natalinos. Mas o meu dia há de chegar. Faltam 58 dias para as férias. Uhu! Antes disso, sentarei por 40 dias na mesma cadeira, onde permanecerei por cerca de 8 horas seguidas olhando pra frente de um computador. As persianas fechadas não permitem saber como anda o dia lá fora. Mas é dezembro, então não tem problema: está chovendo, com toda certeza.


Na hora do almoço, da-lhe trânsito outra vez. Comida de casa (agora vi vantagem!!!). Arroz, feijão, verdura refogada, salada de alface e tomate. Um luxo! Mais trânsito, mais horas sentadas na cadeira. Trânsito de novo. Enfim chego em casa. De novo. Agora começa o trabalho de verdade. Já contei que tenho dois filhos pequenos? Essa é, sem dúvidas, a parte mais louca da minha vida normal. Uma aventura daquelas de arrepiar a espinha. E olha que quem vos fala já até saltou de paraquedas. Nada se compara a ter filhos. Amamento o mais novo, enquanto janto a sobra do almoço. É o último momento sentada na cadeira do dia. Depois desencadeia-se uma sequência de andar pela casa desempenhado um monte de tarefas que não sei nem descrever. Parece cooper. E lá pelas 23, quando deito na cama, já com saudades de encostar em qualquer lugar o corpo que passou 8 horas sentado, me lembro que não deu tempo de ir na academia. Me afasto cada vez mais do corpo padrão. Abro o Instagram. Já é de manhã em Bali, onde a blogueira pratica yoga diante das águas cristalinas do Índico. Tento meditar, inspiro, expiro, durmo. Por sorte a insônia ainda não chegou por aqui. Muitas vezes, na vida normal, dormir é luxo. Não posso reclamar. Porque se diante do Instagram tudo isso parece muito chato, muito normal, muito entediante, diante da realidade desse nosso Brasil baronil, minha vida é, a bem da verdade, um grande privilégio.


Vida de verdade é assim mesmo. Tem louça suja na pia, roupa molhada na máquina, cheiro de café quentinho pela casa, abraço e beijo com bafinho de criança na cama dessarumada. Tem trânsito caótico, música da rádio, tempero de casa, risadas no trabalho, grupo de whatsapp com a família, afeto, casa bagunçada, gritos de loucura, série no Netflix e mais um monte de coisas que só acontecem aqui e agora. E se o presente não pode ser em Java, que seja nesse dezembro quentinho e chuvoso.


Não sei se já contei: eu amo essa baguncinha que antecede o natal.


Delícia de vida chata.

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      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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