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Liberdade para sonhar



Dormindo ou acordado, solitários ou partilhados, sonhos só podem ser de quem sonha. Eles nascem lá do fundo da nossa essência, seja ela qual for. Podem estar próximos ou distantes, podem ser simples ou extremamente complexos. Funcionam, ou ao menos deveriam funcionar, como bússolas. Abrem rotas, traçam caminhos. Rotas e caminhos personalizados para cada um que ousa tirar os sonhos da cabeça. Ou do coração.

Mas tem gente que insiste em sonhar pelos outros, como se isso fosse lá possível.

E no meio dessa gente estamos nós, mães, especialistas em construir sonhos para nossos filhos.

Outro dia, em um grupo de mães, uma mãe perguntou:

“Vocês ainda têm sonhos para vocês mesmas? Sonhos seus, que não envolvam seus filhos?”

A parte boa dessa história é que sim, muitas mães ainda tinham sonhos próprios.

A parte louca é o que restou revelado pela pergunta: é possível ter sonhos que não sejam para nós mesmos?

Foi a primeira vez que refleti sobre isso e fiquei satisfeita quando percebi que todos os meus sonhos eram apenas para mim. Fiquei tranquila de saber que não tenho nenhum sonho para os meus filhos.

Eu desejo para os meus filhos duas coisas: saúde e liberdade para serem quem são. Para encontrarem os próprios sonhos.

E isso tira um peso danado do meu maternar: o peso de uma possível frustração por expectativas não cumpridas. Mais ainda: o peso de assumir um papel determinante nas frustrações dos meus filhos.

Abrir mão dos próprios sonhos para sonhar pelos filhos pode, à primeira vista, parecer a maior prova de amor que se tem notícias. Mas basta refletir um pouquinho para perceber que sonhar por outra pessoa é uma atitude bem egoísta.

Ora, sonhar é um dos atos mais valiosos de que nossa mente é capaz. Roubar do outro a liberdade de sonhar por si não pode ser ato de amor.

Quando sonhamos pelos nossos filhos, muitas vezes projetamos neles sonhos nossos. Esperamos encontrar através deles a realização que não tivemos. Queremos que eles sejam médicos de respeito, jogadores de futebol milionários, modelos referência internacional de beleza. Repetimos padrões, construímos caminhos, traçamos a rota e muitas vezes aprisionamos nossas crianças em modelos pré-concebidos de sucesso. Se olharmos com mais atenção, talvez sequer saibamos se esses são realmente sonhos nossos, ou sonhos que também sonharam para a gente e assim por diante.

Olhe ao seu redor.

Apesar de toda a riqueza e diversidade que é ser humano, na hora do vestibular sobram vagas de um lado e candidatos de outros.

É claro que ser médico pode ser uma função nobre. Mas ser professor ou músico igualmente. Será nobre ou não na medida em que se encaixar nos sonhos. Não dos pais. Mas da própria pessoa.

O problema é que quando sonhamos pelos nossos filhos, lhe colocamos arestas difíceis de romper. Sem querer, e com a melhor das intenções, vamos tirando sua liberdade, até o momento em que ele mesmo não sabe o que quer.

E assim corremos o risco de termos pais finalmente felizes com o novo médico da família, e um novo médico constantemente frustrado, que talvez sonhe com um filho que vá fazer artes plásticas.

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      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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