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Mulheres e Dieta


Hoje vou deixar um pouco de lado o assunto da sobrecarga feminina para falar de outro tão importante quanto:


Dieta.


Pode parecer fútil falar sobre isso nesse mês dedicado a lutas tão inglórias. Mas vou tentar mostrar que não é.


Sou magra e saudável, o que a princípio poderia me tirar o lugar de fala. Mas como uma menina que fez o seu primeiro regime aos 9 anos de idade, que sofreu bullying aos 12 por ser gordinha e brigou com a balança até os 30, me sinto bem à vontade para falar.


A vida inteira lutei contra o meu próprio corpo (saudável, não custa repetir), para tentar alcançar o padrão imposto da mulher magra, dura e perfeita. Aos 12 anos, saí de férias em dezembro e voltei 15 quilos mais magra em fevereiro. Passei 2 meses subindo as escadas do prédio até o nono andar, dando infinitas voltas de bicicleta na quadra e comendo frango com alface. Por sorte, muita sorte, não desenvolvi um distúrbio alimentar grave.


Fiquei magra, muito magra, e isso era tudo o que eu queria (aos 12 anos de idade). E quando voltei para a escola, recebi um novo apelido: “na capa”. O bullying do qual eu fugia, deu um looping de 180º em torno do mesmo eixo e deixou muito claro qual era a questão: o corpo feminino, destinado a ser para sempre imperfeito. Não importa se gordo ou magro, se saudável ou doente. Um corpo que sirva aos padrões estéticos que o torne desejável, o que invariavelmente reflete na imagem que se anseia ver no espelho.


Segui.


E depois de vinte anos de luta, alcancei um equilíbrio que me deixou bastante satisfeita. De repente, alguns anos depois, me vejo de novo entrando nessa briga ingrata contra mim mesma, para alcançar aquele mesmo velho padrão.


Uma única calça jeans pré-gravidez ainda apertada e o ponteiro da balança que insiste em marcar 3 quilos a mais me fez entender que eu precisava de uma nova dieta para emagrecer (ressalto aqui o “para emagrecer”, pois hoje compreendo perfeitamente bem o significado de dieta, que vai muito além disso).


No início da pandemia acabei emagrecendo, porque a tensão me tira o apetite. Depois acabei engordando um pouquinho, pois passei a compensar a minha falta de prazeres externos com a sobremesa e com uma alimentação muito mais desregrada do que eu gostaria. Apesar disso, e por incrível que pareça, há um ano faço exercícios físicos com uma regularidade que nunca alcancei. Ainda assim, não estava satisfeita por ter aberto mão da alimentação saudável que há anos consegui transformar em hábito.


Isso seria motivo suficiente para retomar uma dieta mais equilibrada, e isso é maravilhoso e necessário, mas mais uma vez, pelos mesmos velhos motivos, coloquei na cabeça que o que eu precisava era emagrecer.


E aí comecei. Disciplinada como há muito não conseguia ser. Abri mão do vinho, do doce, do arroz e do pão. Mantive o exercício físico 5 vezes por semana. Tinha certeza que estava arrasando. Quando subi na balança: engordei.


Primeiro veio a frustração. Uma ducha de água gelada, daquelas que faz doer do primeiro fio de cabelo até a ponta do dedão. Depois veio a raiva. Logo em seguida, me enchi de ansiedade tentando achar os erros que não encontrei. Todos esses sentimentos, velhos conhecidos de quem passou a vida em uma eterna dieta.


Com a cabeça fervilhando, fui meditar. E logo após peguei o meu caderno de gratidão e, com muito esforço, agradeci: por ter um corpo saudável, perfeito e funcional, embora esteticamente fora dos padrões ideais (mesmo que bem próximo dele). Agradeci por poder manter uma alimentação balanceada e por ter a oportunidade de fazer exercícios físicos 5 horas por semana. Já aí, muito mais calma, tentei entender os motivos pelos quais eu estava mais uma vez tentando lutar contra esse corpo que me atende tão bem. E não foi preciso muito tempo para concluir que eu não quero mais entrar nessa paranoia. Não quero, à essa altura da vida, abandonar um equilíbrio que, à duras penas, conquistei.


Ter uma alimentação saudável, sim. Saber fazer dos excessos, exceções. Manter atividades físicas regulares por todos os benefícios que isso me traz. Mas me aceitar. Aceitar o meu corpo, ainda que imperfeito diante do feed do Instagram, das capas da revista e da novela das oito.


E o mais importante: esquecer daquele corpo pré-gravidez.


Depois de gerar e parir dois filhos incríveis, amamentar por mais de 3 anos, me transformar por completo nessa experiência indescritível que é virar mãe, sou hoje uma pessoa completamente diferente daquela de 5 anos atrás. Por que, afinal, somente o meu corpo deveria se manter igual?


Embora escreva diariamente sobre minha experiências, hoje me coloco vulnerável como poucas vezes ousei fazer. Mas preciso falar sobre isso, porque sei que em cada esquina encontrarei mulheres sofrendo pelos mesmos dilemas, cada uma com suas condições e especificidades. Umas mais, outras menos. Mas sempre sofrendo por entenderem que estão em dívida com seus corpos perfeitos, uma dívida impagável em uma sociedade doente. Por isso eu quis lembrar, ressaltar, fazer reverberar: nosso corpo não é um objeto, ainda que muitos insistam em tentar nos convencer disso. Nosso corpo é sagrado. É nossa casa.


Sejamos, portanto, mais gentis com nossos corpos femininos. Sejamos mais gentis com a gente. Nosso corpo é incrível. Faz milagres. Nosso corpo gera vida, é vida. E não merece ser tão maltratado.





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      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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