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O fim do puerpério


Ler sempre foi um hábito enraizado por aqui. Não que eu lesse muito. Nunca fui uma leitora voraz. Mas tinha sempre um livro nas mãos, na mochila ou na cabeceira. Tinha sempre um livro sendo lido, ainda que devagar. Lia basicamente romances e biografias. Morria de preconceito contra autoajuda.


Logo que Caetano nasceu, em julho 2016, comprei o livro Sapiens. Comecei a ler e me apaixonei. Em um ou dois dias cheguei na página sessenta e poucos. Terminei em outubro.


De 2020.


Poderia mentir dizendo que demorei 4 anos para ler um livro beeeeemmmmmmmm devagar. Mas a verdade verdadeira é que depois daquelas 60 páginas eu passei exatamente 4 anos sem ler uma página sequer. Sem ler livro nenhum.


Até que um dia, no meio de uma pandemia, quando minha vida se resumia a trabalhar e cuidar de crianças, alguém, no Instagram ou em algum desses infinitos cursos on line, perguntou:


“Quais são os seus hobbies?”


Oi? Hein?


Ler para as crianças serve? Fazer supermercado sozinha? Rolar o feed do Instagram até o dedo cair? Organizar festas infantis (antes da pandemia, claro)?


Essa pergunta, que eu nem sei de onde veio, foi uma virada de chave. Ela trouxe o fim do meu puerpério. Sim, 4 anos depois. Tem gente que pensa que o puerpério dura os 40 dias do resguardo. Tem gente que pensa que ele dura três meses. Mas a verdade é que ele pode durar bem mais do que isso. Sobre esse assunto, recomendo fortemente seguir a Juliana Parada (@saude.mental.perinatal), psiquiatra especialista nessa fase da vida da mulher.


Pois é. Eu engravidei do Augusto quando Caetano tinha 1 ano e 9 meses e isso significou emendar um puerpério no outro, o que fica muito bem representado por:


PASSEI 4 ANOS SEM LER UM LIVRO SEQUER!!!


Até o dia em que fui obrigada a pensar nisso, já que depois do trabalho e das crias dormindo eu não tinha mais nada para fazer. Era pandemia. Não havia mais distrações lá fora. Era tudo aqui dentro.


Peguei um livro ganhado há meses de um amigo e me forcei a ler. Era tão difícil quanto acordar todos os dias às seis da manhã para fazer exercícios. Criar ou retomar hábitos não é fácil. Abandonar o hábito nocivo de deixar o dedo cair de tanto rolar o feed do Instagram então... Difícil pra ca****. Nem nos livros de autoajuda isso é tarefa simples.


Mas foi assim, com aquele romance incrível ganhado de um amigo no natal, que fechei com chave de ouro o meu puerpério. O nome do livro não poderia ser mais apropriado: Tudo é Rio.


Me reencontrei, então, com aquele pedaço de mim que estava nocauteado. Eu gostava de ler. Eu queria ler. Eu queria ser eu novamente. Comprei um Kindle, minha nova companhia nos 30 minutos diários no escuro que levo para fazer o bebê dormir. Um Kindle mudou a minha vida. Em pouco tempo me tornei a leitora voraz que nunca havia sido.


De quebra, rompi com os preconceitos. Terminei o romance que o amigo me deu e fui ler sobre autodesenvolvimento, que nada mais é do que a nova roupa da autoajuda, uma tentativa de quebrar estigmas enraizados em gente como eu. Alternando romances com não ficção descobri um mundo de interesses e pequenos prazeres que nem a pandemia pôde me tirar. Eu tinha finalmente um novo velho hobby. Eu estava finalmente reencontrando pedaços de mim.


Junto com eles vieram outros. A retomada da escrita, os rituais de bem-estar pela manhã, meu novo site (em substituição ao já finado blog)... Admito que os dedos seguem rolando no celular, e não há problema algum nisso, desde que seja feito com consciência e com a moderação que isso exige de cada um de nós. O equilíbrio é sempre o melhor caminho.


A retomada da leitura foi, para mim, um movimento de vida, como dito por Itamar Vieira Junior no seu brilhante Torto Arado.


Vida é movimento. As fases vêm e devem ser vividas com intensidade e presença (e nisso me orgulho bastante do meu puerpério bem e longamente vivido). Mas também é preciso deixá-las ir, o que, às vezes, exige nada menos que um passo atrás para reencontrar o que ficou adormecido.


Dica: tenho aproveitado a leitura como forma de ampliar a diversidade dentro da minha vida. Estou descobrindo um mundo novo ao privilegiar a literatura negra e feminina. Essa é uma forma urgente e necessária de deixar a diversidade entrar dentro de nossas casas.

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      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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