Por enquanto
- Flavia Vilhena
- 8 de jul. de 2021
- 2 min de leitura

Por enquanto escolho acordar cedo para contemplar o silêncio e conversar com passarinhos. Por enquanto aproveito a chance de encher meus filhos de beijos e abraços ao longo de todo o dia. Por enquanto abro espaço para apertar os laços de família. Por enquanto me permito pequenas pausas para apreciar prazeres sutis. Por enquanto busco na janela toda a grandiosidade do mundo que um dia desbravei. Ela se manifesta nesse céu azulzinho que me cobre de esperança, nesse sol poderoso que me inunda de calor. Por enquanto visito parques como se fossem outro país e deixo que esses recantos situados bem aqui, do lado de casa, revelem toda a beleza escondida pelo cotidiano caótico dos dias normais. Por enquanto me permito desacelerar, conhecer um novo estilo de vida. Por enquanto volto a estudar como há muito não fazia e vejo minha curiosidade aflorar. Por enquanto pratico diariamente a opção de ser sempre gentil comigo e com o outro, mesmo que pela tela do celular, que é minha fonte diária de afeto, amor e conexão com aqueles com quem, também por enquanto, não posso estar. Por enquanto busco reparar nos detalhes que um dia passaram desapercebidos: me demoro no cheiro do café, acendo uma vela aromática, me ofereço uma sobremesa, ainda que em plena segunda-feira. Por enquanto uso o tempo que antes era escasso para experimentar coisas novas: medito, escrevo, faço bolos em família, estudo psicologia e me encanto cada vez mais pela alma humana. Por enquanto fotografo o pôr do sol como se fosse exatamente o evento espetacular que ele é. Por enquanto viajo através dos livros e sigo preenchida por esse prazer que é viajar. Por enquanto converso e faço planos com minha melhor amiga somente pelo aplicativo de mensagens e os planos são tão deliciosos como costumavam ser. Por enquanto descubro novos restaurantes da cidade, e, ao contrário do que costumava ser, são eles que sentam na minha mesa. Convido sabores do mundo todo para entrar e, por enquanto, é assim que viajo mais um pouco. Por enquanto respiro cada minuto com a consciência plena da dádiva que é estar vivo. Por enquanto busco e encontro beleza na orquídea que desabrocha na sala, no sorriso genuíno do bebê, nas primeiras palavras que saem emboladas de sua boca, no seu andar desengonçado. Vejo a beleza em cada árvore do caminho, em cada flor, borboleta ou poesia que atravessa o meu dia. Por enquanto vejo beleza na joaninha que pousou no espelho do banheiro. Por enquanto me delicio com o devagar. Por enquanto divago em meus próprios devaneios, sem sair do lugar. Por enquanto apenas vivo o presente, reparo nele como não costuma reparar. Por enquanto me torno cada dia mais consciente dos meus privilégios e agradeço. Agradeço sem parar. E enquanto tento sobreviver ao caos percebo que esses pequenos suspiros de calma, leveza e beleza, no entanto, vieram para ficar. Talvez o que por enquanto abunda seja justamente o que faltava. Que possa, então, se tornar perene.
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