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Relato de parto: Augusto



Exatos três meses depois, meu relato de parto.

Há três meses você chegou de mansinho, sem dar nenhum sinal. Me acordou as duas da manhã, mas sem alarde. Eram contrações suaves, que vinham cronometradas a cada sete minutos. A experiência me fazia saber que ainda não era a hora. Às quatro, um sangramento intenso acendeu o sinal de alerta. Poderia não ser nada, mas era melhor checar. Por via das dúvidas, colocamos tudo no carro e fomos à maternidade onde nossa obstetra assistia a outro parto. Era apenas a dilatação, que dois dias antes era zero, e naquele momento já estava em 3 centímetros. Tudo sob controle, voltamos para casa. O amanhecer chegou espetacular, mostrando que aquele não seria um dia comum.

Era uma segunda-feira de festa!

As contratações vinham com intervalos cada vez menores, mas ainda leves. Como havíamos decidido não demorar para ir para a maternidade (tentando evitar o caos e a correria em que se transformou o parto do seu irmão), entramos em contato com a Rosa, nossa doula de mãos mágicas, para que ela já viesse nos ajudar.

De três em três minutos aquela dorzinha leve anunciava que, embora não tão rápido, você estava prestes a chegar. Nos intervalos fui me aprontar, afinal, nascimento é festa. Queria estar linda para te receber. A gente merecia isso. Festa merece pele bonita, batom e rimel pra marcar o olhar.

Quando a Rosa chegou, por volta de seis da manhã, perguntou se eu não queria um café. Ótima ideia! Café preto e queijo quente, um conforto gostoso para um corpo que em breve trabalharia duro. A primeira massagem nas costas trouxe um alívio gostoso, mas as contratações permaneciam curtinhas, bem distantes da dor intensa e duradoura que eu conhecia de outros carnavais. Mesmo assim resolvemos ir para a maternidade. Estarmos seguros era nossa prioridade naquele momento. O trajeto foi super tranquilo, mesmo com o trânsito intenso das oito da manhã. A cidade ia trabalhar. A gente ia pra nossa festa particular.

Internamos com 4 para 5 centímetros. A evolução me parecia ótima para tão pouca dor. Já na suíte, a Rosa mostrou a que veio. Parecia tirar as contratações com as mãos. Mãos mágicas e fortes!!!

Desde o primeiro momento, a trilha sonora selecionada e escutada há meses embalava nossa festa e me transportava para um lugar sereno, tranquilo e extremamente prazeroso. Conheci a melhor de todas as anestesias: musicadural! No chuveiro, a água quente escorrendo nas costas mantinha tranquilas as contratações cada vez mais intensas. Nosso tão sonhado encontro me parecia muito próximo. Às dez, contudo, um toque revelou o que poderia ter sido uma ducha de água fria: duas horas após a internação a dilatação permanecia praticamente a mesma. Mas nós estávamos entregues. Não havia com o que se preocupar. O corpo da mulher sabe parir. Bebês sabem nascer. Nossos corpos fazem isso sozinhos, guiados unicamente pela natureza. E em 80% dos casos fazem isso com primor. Para parir, a mulher, humana e racional, não precisa fazer nada além de se entregar. Deixar de lado o controle, deixar o corpo assumir as rédeas. E nós estávamos entregues. Entregues à nossa natureza mamífera. Entregues à poesia de cada música que tocava. Entregues ao toque assertivo da nossa doula. Entregues aos sorrisos de todos naquele quarto. Entregues à cada sensação. À dor e ao amor. Entregues à festa do nascer.

Naquele momento as contratações se tornaram muito fortes, embora eu continuasse serena. E exatamente uma hora depois daquele toque pouco animador, de inúmeros agachamentos e muita caminhada pelos corredores da maternidade, o primeiro puxo anunciava, sem que ninguém precisasse me dizer: havia chegado a hora do nosso encontro. Era o meu corpo, ao qual eu estava 100% conectada, deixando claro que havíamos feito um ótimo trabalho. Pouco tempo depois a bolsa rompeu e fomos para a banheira. Com apenas mais três contrações te recebi, como um peixinho na água, amparado pelas minhas próprias mãos, para lhe dar as boas-vindas. Para te trazer pra nossa casa, pro nosso mundo, pra nossa vida.

Pela segunda vez eu vivia a felicidade de parir de forma natural e respeitosa. Mas dessa vez eu havia ido além. Após um primeiro trabalho de parto de muita dor, algum sofrimento e quase nenhuma consciência, vivenciei aquilo que nem eu acreditava ser possível: um parto leve, com prazer, um parto suave, lúcido e sereno. Uma verdadeira festa! Se doeu? Claro que sim. Parto dói. Mas aqui pego emprestadas as palavras lindas de Chico César:

"É belo, vês, o amor sem anestesia, dói de bom, arde de doce, queima, acalma, mata, cria".

Pela segunda vez eu morria e renascia enquanto você estreava nessa festa gostosa que é viver. E essa troca de olhares de quem se reconhece instantaneamente, mesmo sem nunca terem se visto, não poderia ser melhor definida: é o mais puro estado de poesia que eu poderia vivenciar. Obrigada, Augusto, por fazer da nossa festa a experiência mais incrível da minha vida.







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      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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