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Saudade



Dizem que saudade é uma palavra que só existe no português. Suponho que seja mera competência da língua para nomear uma emoção que, acredito, seja universal.


Saudade: isso que tem sido abundante nesses tempos de contatos escassos e vivências mínimas. É óbvio que essa saudade se manifesta principalmente em relação às pessoas: uma saudade sem fim de amigos, parentes e colegas. Mas ela também se manifesta em relação às coisas triviais que já não podemos fazer. Saudades de abraçar. Saudades de perambular por aí. Saudades de aglomerar. E, no meu caso, uma saudade absurda de viajar.


Até que venho lidando bem com a ausência desse hábito antes tão presente em minha vida. Mas no último fim de semana, assistindo a um episódio de “Somebody Feed Phil” em Marrakesh, quase morri de saudades daquela viagem, daquele lugar, daquela comida, daquela experiência. E isso desencadeou em mim uma rede de lembranças sobre minhas andanças, o que trouxe à tona um mix de nostalgia, alegria, satisfação, desejo e mais uma porção de emoções deliciosas que viajar desperta em mim.


Isso me fez pensar sobre uma reflexão que vi há bastante tempo na própria série, dessa vez quando Phill se deleitava com as delícias de Lisboa, cidade que lhe apresentou não apenas pasteis de nata quentinhos e suculentos lombos de bacalhau, mas também essa palavrinha gostosa, que carrega um significado imenso: saudade.


Embora Phill, americano como ele só, afirme que saudade seria um sentimento exclusivamente português (o que eu, brasileira, obviamente discordo), ele consegue compreender bem o seu significado, ao definir saudade como “sentir falta, ou uma tristeza maravilhosa”.


E é bem isso que saudade é: uma tristeza por algo que falta, porém, uma tristeza bonita, pois essa ausência é permeada pela presença das mais incríveis e deliciosas lembranças.


Logo após a definição do apresentador, um português explica a saudade como um sentimento encrustado na história portuguesa, marcada por navegadores que estavam sempre partindo no oceano rumo à novas descobertas: “sempre há alguém indo embora”. Mas isso não é motivo de tristeza. É possível sentir falta de uma maneira feliz, pois é bom sentir falta de alguém. “Errado seria não sentir a falta de ninguém, não é mesmo?”


Assistir a essa explicação dada em uma mesa de um bar escuro, ao som angustiante do fado, me fez afundar em uma deliciosa saudade de Lisboa, de suas ruas melancólicas e vistas estonteantes, daquele meu quarto no Rossio, das castanhas perfumando a rua no outono, do vento gelado que batia no meu rosto nessa mesma estação, do sotaque português, do travesseiro quentinho de amêndoas e de todos os infinitos sabores que conquistam qualquer um que ali se queda por um instante. E todas essas lembranças me aquecem. Enchem o meu coração de alegria. Ahhh, Lisboa! Como é gostosa essa saudade. Como é bom desfrutar da falta que você me faz, por tudo de bom que você me proporcionou.


E a saudade não para por aí. Lisboa também foi porto de partida para mim. E de repente me vejo em Copenhagen, Sevilla, Estocolmo e Tel Aviv. E isso desperta uma tristezinha de não poder, há tanto tempo, sair para explorar o mundo como tanto amo. Mas desperta também uma profunda alegria pela realização que é ter estado em tantos lugares tão especiais e ter vivido tantas experiências incríveis.


É exatamente como funciona com as pessoas. Dói demais sentir a falta de alguém. Mas é também reconfortante saber que só dói porque a presença, enquanto possível, foi imensa.


Sempre há algo ou alguém indo embora, porque a vida é justamente esse ir e vir. Se não há nada do que sentir saudades, pode ser que o que esteja em falta seja viver de verdade. Com a intensidade que a vida merece. E isso não pode ser coisa só de quem fala português.


Que essa palavrinha viaje o mundo então. Que todos possam conhecer a saudade. Pois se há saudade, valeu a pena. E nesse ciclo inevitável de impermanências, ter valido a pena é só o que interessa.

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      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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