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Sobre planos e furacões



Eu sempre vivi cheia de planos. Na maioria das vezes, planos de viagens. Mas também planos de uma festa, um evento, um compromisso, um almoço no fim de semana. Minha agenda estava sempre cheia.


De repente chegou uma pandemia, o que, definitivamente, não estava nos planos.


Os dois primeiros dias foram cheios: muitas passagens e hotéis a serem cancelados. E depois: presente. Somente ele. Sem planos. Sem viagens. Sem compromissos para o fim de semana.


Eu achava que não era possível viver assim. Mas aí veio a grata surpresa. Finalmente eu estava vivendo 100% no presente, algo que há muito eu havia colocado como objetivo de vida. Veja bem, não estou querendo ver o lado positivo desse caos que estamos vivendo. Não existe lado positivo. Mas existe aprendizado. Até no sofrimento existe aprendizado. Principalmente nele, aliás. Estar comigo no presente me faz aprender mais sobre mim e isso tem lá seu valor. Ôh se tem!


O engraçado é que sempre quis ter a agenda mais flexível, mas pelos objetivos errados. Eu queria uma agenda flexível para encaixar mais compromissos. Eu queria ser aquela que realiza grandes feitos de última hora. Uma agenda mais flexível que estivesse sempre lotada. Pura incoerência. E hoje o que me pergunto diariamente é: o que, afinal de contas, eu tanto fazia? Porque o essencial, esse continua quase todo aqui, bem ao meu lado.


Estar no presente não quer dizer que o tempo esteja andando devagar. Muito pelo contrário. A verdade é que nem vi esse ano de 2020 passar. Viver com duas crianças em casa o dia todo deve ser bem parecido com passear no meio de um furacão. Um furacão que espalha lego e mini peças indecifráveis de brinquedos que você nem sabia que existiam por toda a casa. Um furacão que chacoalha todas as suas emoções, que junta o que você tem de melhor e de pior, mistura milhares de vezes em loops de 360º e depois de cabeça pra baixo, até te virar do avesso. O que é uma ida ao Busch Gardens perto de uma quarentena com filhos pequenos. Um turbilhão físico e emocional que te faz não entender como o relógio que antes marcava 6:30 agora marca 23:00.


Mas fato é que estar 100% presente tem sido um grande prazer. E a verdade verdadeira é que não sinto falta dos milhões de planos, nem da agenda sem espaços em branco até março do ano que vem. Gostei de viver assim. Ou seja, o que eu vivia antes passava longe de ser uma escolha racional. Era apenas a repetição de hábitos que sabe-se lá onde, como e porque surgiram.

O que nessa história toda realmente me faz falta são os amigos. Estar com pessoas que amo. Sentar para conversar por horas sem ver o tempo passar. Mas até esses encontros me parecem mais extraordinários quando surgem sem planejamento. Me lembro de uma vez, numa época sem filhos, que uns amigos que moravam fora chegaram para uma visita pela manhã. Levaram pão fresquinho de fermentação natural. Fizemos café. O papo estava bom. Improvisamos um almoço. Comemos sorvete de sobremesa. O papo seguia bom. Tomamos vinho. Terminamos o encontro fumando charuto cubano às duas da manhã. Tem coisa mais gostosa que um encontro inusitado?


Só que para coisas assim acontecerem, é preciso estar disponível. E quase nunca havia espaço disponível. Agora sobra espaço, mas faltam os amigos, o que também não tem graça. Mas já já isso passa. E aí quero colecionar muitos cafés da manhã despretensiosos que viram almoço, jantar, ou até uma noite de conversa madrugada adentro.


Também quero viajar novamente. Mas quero deixar que as viagens voltem a ser gestadas como sonhos e não como agendas obrigatórias. Sinto saudades de um lugar exótico, que me surpreenda os cinco sentidos. Tenho uma lista deles para conhecer. Mas vou deixar que eles se revelem na conveniência do acaso (até porque o novo normal inclui o novo dólar). Quem sabe uma promoção de passagem decida por mim. Ou o convite daquele amigo com quem sempre quis viajar, mas que os planos nunca deixaram rolar?


O inusitado só chega quando há espaço para ele. E quem não gosta de uma grande surpresa?


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      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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