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Sobre presença

Último dia de home office de 2020, com uma pequena reflexão, leia-se, grande desafio, para 2021:


“O amor habita na presença”. Quanta potência em uma frase tão curta dita por Murilo Gun em uma aula sobre criatividade que assisti outro dia. Ele também disse algo que me tocou profundamente em tempos de home office pandêmico: as crianças são como o amor, elas só conhecem a presença. E eu não poderia concordar mais, ouvindo meus filhos me chamando pela nonagésima oitava vez, enquanto participo da septuagésima quinta reunião on line da quarentena de nove meses (and counting...).


Crianças só conhecem o presente.


No dicionário parece bem simples: presença é estar em algum lugar. Quem inventou a palavra, pobre inocente, não sabia o que estava por vir. Ela, a internet, que nos dá o superpoder de estar em qualquer lugar do mundo, porém com uma condição bastante incoerente: estarmos ausentes do lugar onde nosso corpo se encontra.


E como explicar isso para as crianças em tempos de #fiqueemcasa?


Ei filho, vem cá, deixa eu te contar. É que mamãe está aqui, mas na verdade não é bem assim. É que mamãe agora tá na reunião. Mamãe tá na conferência. Mamãe tá na ligação.


A verdade é que, na maior parte do tempo desse isolamento social, estamos em qualquer lugar, menos em casa, o lugar em que o corpo, aquele de carne e osso, nosso grande limitador (alerta de ironia), ainda habita. Temos o mundo literalmente na palma das mãos. É o poder do teletransporte que tanto sonhamos. Mas, ao poder estar em qualquer lugar, não estamos inteiros em lugar nenhum.


A mente navega na rede. O corpo está estendido no sofá.


O corpo, antiga trava do velho normal, se torna irrelevante. Mero coadjuvante. A mente não tem limites. Voa, vai longe.


Mas faltou inventarem a capa da invisibilidade.


Porque o outro, que divide a sala com o corpo presente, não sabe que não estamos. Ele nos vê. Está ali, bem diante dos seus olhos. É fato! Notório!!! Ele nos chama. Nos quer.


O outro está bem ao nosso lado. Nós estamos do outro lado do mundo.


E isso não se explica para quem só conhece a presença. O estar por completo. Pra quem não entende o ontem, nem o amanhã. Para quem só existe o aqui e o agora. Nos contaram que o maior desafio do home office era não estar fisicamente no local do trabalho. O maior desafio é não estar verdadeiramente em lugar nenhum. É fazer do corpo, enfeite. E quando se tem filhos, é explicar o inexplicável: que agora vivemos nas redes. Viramos dados. Finalmente o intangível, personificado.





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      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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